
Corpo-memória
Eu não sei quando deixei de habitar meu corpo. Talvez tenha sido depois da minha agressão. Depois do primeiro estupro.
Talvez tenha sido quando me disseram que eu precisava emagrecer, ou que eu estava muito magra, ou não era muito alta. Talvez quando me disseram que eu deveria ser mais gostosa, ou que precisava me dar ao respeito. Não sei qual foi o momento exato, mas ele chegou. Rompendo a pequena película que nos une emocionalmente a este corpo-memória em que nos habitamos.
Deixei de me ouvir. Deixei de perceber-me no espaço. Deixei de me entender.
Se não sabe qual fome tens, como irá comer o que quer? Se não sabe para onde quer ir, como escolher qual caminho seguir? Parece absurdo agora. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, não é? Não é porque não sei o que quero fazer da vida que não estou conectada com meu corpo – comigo mesma.
Mas é.
Meu Deus do céu, como eu gostaria de ter percebido isso antes.
Como eu queria ter buscado preencher meu corpo, ao invés de exigir dele reações que jamais chegariam a mim, pois eu não estava escutando. Como eu não gostaria de ter me colocado em situações-limites porque eu precisava sentir algo além do torpor de não sentir nada.
Meu corpo memória sangrou por anos, assim como minha mente e minha paz. Hoje encaro-me caída no chão do banheiro: fraca, frágil e confusa. Não sei como habitar em mim mesma. Não sei como preencher esta casca farelenta mas firme que ainda se apresenta para mim. Preciso me re-identificar com o que vejo no espelho. Preciso aprender a entender a língua que insisto em cantar baixa, confusa e distante.
Não posso partir de mim. Não posso apagar as memórias. Só posso enchê-las: meu corpo, o futuro, meu coração.
É um longo caminho de volta. E nem sei por onde começar.
Mariana Ravelli
Sempre tem alguém pra me dizer que estou falando muito alto ou que não preciso ser tão incisiva, mas a verdade é que o tempo passa e eu continuo ficando mais ácida e as pessoas mais chatas. Não gosto de barulho, não gosto de gente. Gosto de chás e cachorros fofinhos. Não toque no meu cabelo.

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