Reflexão,  Sociedade

Eu ainda me desculpo

Nos contaram tantas mentiras no último século, que todas nós ainda sentimos fortemente a necessidade de nos desculpar por tudo.

Nos desculpar por não querer transar, por querer transar, por falar alto, por sair de casa para trabalhar, por não aceitar cantada de alguém, por dizer que quer terminar com o namorado, por querer viajar sozinha, por usar roupa curta, porque dizer que não quer, por dizer que não vai sair, por dizer que não vai cozinhar. Tudo sempre é uma premissa que nos exige atenção e culpa, e na maioria das vezes nós nos deixamos levar por esse sentimento de inadequação e nos desculpamos. Simplesmente pedimos desculpas por sermos nós mesmas. Isso não pode estar certo.

Quantas vezes você fez isso? Quantas vezes se desculpou por dizer apenas o que achava ou o que queria? Quantas vezes você teve que se desculpar por se destacar mais que seu parceiro ou então, chamar a atenção de alguém em uma festa? Quantas vezes teve que se desculpar com pessoas só porque não quer ser mãe, ou então porque não concordou com algo que foi dito? Todas as perguntas sempre nos levam ao mesmo sentimento de culpa, ao sentimento de quem sempre parece buscar por aceitação… e aceitação masculina. E uma aceitação que nunca vem, porque ela não existe.

A sociedade patriarcal nos colocou submissas não só fisicamente, como psicologicamente também. Mesmo que atualmente o feminismo esteja em pauta, que as mulheres tenham começado a se reunir e a romper com esse véu machista e cruel, ainda é difícil. Até a mais forte de nós ainda se pega sentindo-se mal por não agir como se esperam dela, ou por não suprir expectativas de um homem de quem ela goste ou até mesmo… da sociedade em geral. E as vezes isso é tão velado que nós nem percebemos.

Pare e pense: por quantas coisas você se desculpou ou se sentiu mal e nem sabe porque?

O feminismo passou muito tempo sendo gerado e só agora está nascendo, e as dores do parto são fortes. Nos reconhecer como um ser social é importante, da mesma forma que é importante olharmos com compaixão para nós mesmos e ao nosso redor. Volto e meia me pego repetindo o discurso empoderado para mim mesma, mas caio na cilada de criticar uma outra mulher só porque ela não agiu como eu esperava. De julgá-la por suas escolhas ou roupas, mesmo que eu espere não ser julgada da mesma forma. Eu cobro de outras mulheres que elas sejam mães, parceiras mais presentes ou que não se desgastem tanto no trabalho, mesmo que eu faça as mesmas coisas. Eu condeno aquela que trai o namorado, mas saio com caras comprometidos.

E no final do dia, acabado sempre me desculpando por alguém por alguma coisa que eu não deveria me desculpar. E se eu checar bem o extrato dessa conta, eu sempre me desculpo com um homem, nunca com uma mulher. Nunca com aquela a quem eu machuquei ou julguei. Tudo está sempre condicionado ao homem, e eu sigo me desculpando… sigo me sentindo mal e engendrada em uma realidade que sempre me força a lembrar que nem sempre eu sou a dona do meu destino. Mas eu sou. Eu sou a capitã de minha alma. E que eu preciso provar nada a ninguém.

Toda essa culpa e necessidade de aceitação e de agradar sempre me lembram que ainda estou começando. Todas nós estamos… ainda somos aprendizes na arte de respeitar e a amar a si próprio e aprender com os erros.

Ainda me sinto vazia sem um companheiro, sempre buscando por atenção de caras que não me querem de verdade, sempre enchendo a cara para poder parecer mais descolada e quem sabe descolar alguém para o fim de noite, ou então… trabalhando feito louca em dois empregos para ser promovidas e provar para alguém que eu sou alguém. Sendo que… eu já sou alguém, e alguém para mim… que é o que importa. E tudo bem se eu quiser trabalhar feito louca pela minha promoção, eu a mereço. E a mereço e quero por mim, e não para te conquistar. E ok também se eu quiser tomar todas em uma sexta-feira à noite só para me divertir, se isso realmente for por mim. E na maioria das vezes eu acho que é… mas nem sempre é de verdade. A linha é tão tênue que é difícil perceber quando a cruzamos.

A necessidade de agradar e ser perfeita assombra todas as mulheres, e me força a questionar todas as vozes dentro de mim até me encontrar e decidir exatamente o que fazer. Mas as vezes me perco. As vezes me confundo. Muitas vezes eu erro. E tudo bem. Eu ainda estou aprendendo. Todas estamos. As dores do parto são grandes, mas não serão eternas. Eu ainda me desculpo sem precisar. Mas não hoje. Hoje eu fiz porque eu quis.

Sempre tem alguém pra me dizer que estou falando muito alto ou que não preciso ser tão incisiva, mas a verdade é que o tempo passa e eu continuo ficando mais ácida e as pessoas mais chatas. Não gosto de barulho, não gosto de gente. Gosto de chás e cachorros fofinhos. Não toque no meu cabelo.

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