
Nós fomos bons
Ah, meu amor, nós fomos bons.
Ontem foi dia de faxina. Arrumando o guarda roupas, encontrei a caixa de grampos. Resistindo ao tempo, e ainda cheias de grampos. Sorri de canto, me lembrando de que foi você quem saiu apressado para ir me comprar uma caixa de grampos e um pacote de gominhas de cabelo, porque eu precisava me arrumar para a formatura do meu pai e não podia sair. De todas as vezes que te pedi alguma coisa e contei com você, essa foi a vez que mais me marcou – você indo até uma farmácia, me comprando grampos e gominhas. Foi bom perceber que a gente se cuidava, mesmo que isso não fosse tão explícito, no fundo estava lá. Como um adendo, um rodapé, um post scriptum: nós fomos bons. Foi tudo muito bom.
A gente se cuidou de uma maneira muito nossa: sanando pequenos mimos como vontades loucas de comer McDonalds ou batatas fritas, tomando vodka com energético as segundas mas tomando muita água com açúcar, dando carona um pro outro quando perdíamos o horário. Consolando quando perdíamos as coisas, dando colo quando estávamos para baixo. Orgasmos no carro para os dias de calor, e nos dia de chuva, sexo com janela aberta para a brisa gelada entrar. Nada de água muito quente para não ferir a pele. Textos e dedicatórias em datas especiais. Porta-retratos no natal. Camisas no ano novo. Um milhão de fotos para contar essas histórias. Olhando a caixa de grampos, vejo mais um detalhe de tudo que fomos. E nós fomos bons, amor. Nós fomos muito bons.
Mas não só muito bons.
Claro que teve a parte chata. Claro que teve a parte barra. O silêncio que você insistia em manter. A forma como eu sentia que insistia sozinha. As vezes que terminamos, choramos, e depois continuamos. O seu descaso, o meu jeito difícil. O fim. Mas agora, olhando esses pequenos detalhes de nós que ainda perduram na minha nova vida, vejo o quanto eu fui amada, o quanto eu fui cuidada. O quanto você e nós, mesmo que não andássemos de mãos dadas ou tivéssemos declarações acaloradas, nós eramos bons. Nós fomos bons. Até demais.
Nós nos divertíamos, morríamos de rir, falávamos besteiras, deitávamos no colo, beijávamos na boca e a noite ficava pequena pra tudo isso. Até nossa história ficou pequena. Talvez a gente devesse ter se esforçado mais. Talvez a gente devesse ter deixado o sentimento nos consumir, quem sabe, mas a caixa de grampos não mente, você se importava. Foi um carinho simbólico do que era importante pra mim naquele momento, e foi também, pra você.
Nós fomos bons demais amor. Obrigada por isto – e pelos os grampos também.
Anna Montez
Uma flor de muitas pétalas, que adora o silêncio e a possibilidade de se redescobrir através das palavras. Publicitária, comunicadora nata e aspirante a socióloga de bar. Adora uma causa perdida, um drama shakespeariano e beijo sedento no final da frase. Sou viciada em histórias. Me conte a sua.

Secretária eletrônica

Sobre perder-se em si mesma
Você pode gostar

Eu acho que ainda tô com raiva
17 de maio de 2025
Uma mensagem para o cara de dezembro
30 de dezembro de 2024