
O peso sobre aquelas nossas memórias
O confronto com a verdade nunca é fácil, mas também não precisa ser desesperador.
Os dias submersa em minha repentina solitude e completa absorção do externo me fizeram revirar memórias dentro de mim. Não que eu estivesse inclinada a reviver tais coisas, mas elas acabaram vindo à tona entre uma taça de vinho ou outra no sábado à noite, e no silêncio de domingo de manhã. Lembrar de você, de quem há muito não sei, não me despertou saudade ou vontade de te ligar. A sensação que me invadiu foi mais como… um lamento.
Enquanto revivia nossas memórias, me lembrei de como nos demos bem logo de cara. De como nos divertíamos, tínhamos química e o silêncio nunca incomodou. Nunca faltou assunto, você tinha um bom senso de humor e eu adorava te tirar do eixo. Poderíamos ter aproveitado muito e aproveitamos, mas não dá maneira como poderíamos.
Dói admitir agora, depois de tanto tempo, que você me deu tão pouco.
E o pior, que eu aceitei tão pouco. Eu sempre fui desse jeito: intensa, falastrona, que ama grande, se joga inteira, mas você não. Você era o tipo de turista que molha as canelas no mar, enquanto eu estou mergulhando lá no fundo.
Eu jamais poderia exigir de alguém algo que ele não estivesse disposto a dar naturalmente, e é isso que me dói: fui eu que exigi de mim aceitar tão pouco, por que esta é a condição para estar com você. Era a condição para ser vista, para ser amada e receber atenção que eu achava que precisava. Isso é tão triste. E revoltante. E é como eu disse, o confronto com a verdade nunca é fácil. Você foi mesquinho e baixo, mas eu me via como tão pouco que aceitava as migalhas que caras como você me ofereciam, porque eu pensava que era assim que tinha que ser. Mas a gente sabe que não era assim.
Ninguém merece isso. Não existe pessoa que mereça mensagens tarde da noite, ligações escondidas e encontros em ruas escuras para não serem vistos. Ou então, alguém que mereça ficar um mês sem notícias suas, e depois ser cortejada como se tudo estivesse igual. Ninguém merece ser a menina do fim de noite, aquela que vale a chamada mas não o suficiente para que você se incomode em pagar o motel, afinal, o carro já serve.
Ninguém merece isso. Eu nunca mereci.
Tento me lembrar em qual momento achei que esta merda fazia sentido para mim ou me bastava de certa forma, e só consigo ficar irritada. E magoada. Em algum momento alguém me disse que eu era essa coisa pequena, comum e suja, e eu acreditei. Em algum momento eu achei que para ser amada eu precisava me sujeitar a esses tipos de situações que beiravam o desespero da falta de amor próprio. Mas bom, esse tempo passou.
Não de uma forma fácil, não de uma forma segura. E muito menos de uma forma bonita. Mudar dói, incomoda, faz sangrar. Mas eu precisei me levantar e dizer ao meu reflexo de que eu era digna de amor, e eu merecia mais. E eu só aceitaria mais. Nunca menos. Embora eu ainda adorasse cara com barbas fartas e sorrisos encantadores, embora eu ainda me divertisse com homens com senso de humor e inteligência, hoje eu sei que mereço mais. Gostaria de poder voltar no tempo e dizer isso aquela menina de vinte e dois anos. O mundo e amor não precisam ser tão duros, querida. Você merece mais. Você vai receber mais.
Mariana Ravelli
Sempre tem alguém pra me dizer que estou falando muito alto ou que não preciso ser tão incisiva, mas a verdade é que o tempo passa e eu continuo ficando mais ácida e as pessoas mais chatas. Não gosto de barulho, não gosto de gente. Gosto de chás e cachorros fofinhos. Não toque no meu cabelo.

Coleção de memórias

Pequenos detalhes de amor no meio do caos
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