
Reflexões sobre valores e pinhas
O natal está logo ali. E bom, a gente já percebeu que todo mundo tem suas crenças, rituais e simbolismos e eu gosto disso. Eu venho de família grande, espiritualista e amante de decoração rústica. Minha mãe é artesã e uma lembrança forte da minha infância é de vê-la catando pinhas no parque e usá-las para enfeitar a árvore de natal. Nós tínhamos uma árvore grande, toda decorada com laços, pinhas e correntes de natal. Quando eu era pequena não entendia nada disso, e achava feio o uso das pinhas. Na minha cabeça, com certeza aquilo era sem sentido e necessidade.
Faz pouco tempo que minha mãe me contou que eu as arrancava da árvore e jogava atrás do sofá. Eu não me lembro disso, mas não duvido. Eu não gostava mesmo delas. No entanto, a medida que eu ia crescendo, as minhas necessidades internas mudaram. Todo adolescente passa pela fase efervescente de erupção externa e depois interna. Durante a busca por mim mesma encontrei a necessidade de me voltar para a natureza – plantar, manusear a terra, ver as coisas crescerem. Eu precisava disso para me entender, entender os ciclos – externos e internos e amadurecer. Com o tempo, comecei a colecionar mudas de plantas, de árvores, de frutos. Enfeitava meu quarto com ramos de plantas que encontrava e com pinhas – logo eu, a pessoa que definitivamente não gostava delas.
E bom, nesse natal atípico que experencio agora, no meio da maior pandemia do século, me vejo perdida sem referências tão forte. Por conta da quarentena, não teremos festa de natal. Há vinte e cinco anos nos reunimos no natal com a minha avó e fazemos um almoço, e pela primeira vez isso não vai acontecer. Isso acabou me desmotivando, e pensei em deixar de lado a decoração de natal. Afinal, se o natal é o tempo de você estar com quem se ama, e eu não poderia, por que enfeitar a casa?
Mas a vida não para. Esse ano veio para mostrar exatamente isso. Mesmo nos sentindo parados no tempo, a vida continua acontecendo e a gente precisa viver – dá melhor forma que conseguir. E contrariando o que eu esperava de mim mesma, perdida por entre minhas considerações de natal, aos poucos eu crio minhas próprias regras e simbolismos para essa época cheia de significados que me tocam tanto. Mesmo durante uma pandemia. Mesmo sem almoço de natal, e sem poder me apoiar em um alicerce que tenho a vinte e cinco anos. Outras pessoas perderam entes queridos. Outras pessoas talvez não terão quem reencontrar depois que tudo isso passar. Infelizmente a perda ela vem para todos. Pensar nisso enquanto arrumava minha casa para o natal me fez dar mais valor as pequenas coisas, inclusive as pinhas.
E tudo bem se você não tem árvore, não tem enfeites, se você não quis organizar a decoração. Apenas deixe a magia acontecer, ou fique em silêncio, ou faça uma prece. Encontre você mesma o seu próprio simbolismo e a nova forma de experenciá-lo durante esse momento delicado que vivemos. Aqui em casa, da sala, encaro a árvore com uma taça de vinho. É surpreendente ver o quanto em mim eu carrego da minha mãe e o quanto aprendi com ela – mesmo que eu nunca tivesse percebido. Até agora.
Mariana Ravelli
Sempre tem alguém pra me dizer que estou falando muito alto ou que não preciso ser tão incisiva, mas a verdade é que o tempo passa e eu continuo ficando mais ácida e as pessoas mais chatas. Não gosto de barulho, não gosto de gente. Gosto de chás e cachorros fofinhos. Não toque no meu cabelo.

Com ela vale tudo

Ela
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